Atividades habituais como beber água e utilizar o banheiro parecem ser de livres de diferenciação entre homens e mulheres. Afinal, são necessidades básicas de qualquer ser humano. Porém, a falta de saneamento básico atinge mais as mulheres do que os homens.

Você saberia dizer o por quê? Para entender mais sobre o assunto, hoje falaremos sobre a relação entre gênero e saneamento. Continue a leitura e aprenda!

 

Gênero e saneamento básico

Falar sobre gênero atualmente está cada vez mais polêmico. Isso porque há uma ala conservadora na sociedade e no congresso brasileiro, que por meio de justificativas pseudoreligiosas, por preconceito, condenam o tema no geral. A suposta “ideologia de gênero” se referem essas pessoas, na verdade não existe. Os teóricos e pensadores de gênero não buscam criar regulações ou normas de comportamento para homens e para mulheres, ou até para crianças e professores. Na realidade, o que os estudos de gênero evidenciam é justamente os malefícios da ideologia patriarcal que separa homens e mulheres em categorias hierarquicamente opostas e que trazem no seu âmago uma série de padrões e normas sobre esses corpos, principalmente os femininos.

Uma das consequências injustas da ideologia patriarcal é a divisão sexual do trabalho. Nessa divisão, os homens são encarregados do trabalho intelectual, geralmente melhor remunerado e com mais prestígio social. Já as mulheres, são encarregadas dos trabalhos domésticos, muitas vezes até não remunerado e desprovido de direitos.

Comprovação disso você deve ter na sua própria família. Se a sua família não tem antecedência negra ou pobre, é comum que as mulheres de sua casa fossem responsáveis pelo cuidado dos filhos e da casa e que nunca recebiam remuneração por isso. Já se sua família tem origem negra ou pobre, as mulheres, além das responsabilidade com o lar e os filhos, também deveriam trabalhar fora, mas seus cargos nunca eram de destaque e muitas vezes mal remunerados. A falta ou a má remuneração dos serviços domésticos, por sua vez, torna as mulheres dependentes de seus maridos.mulheres carregam água por falta de saneamento

A partir dos anos 1960, as mulheres começaram a ocupar mais postos de trabalho, mas isso não as liberou dos serviços domésticos. Mesmo no século XXI, as mulheres costumam ter dupla jornada de trabalho: o cuidado da casa e dos filhos; e o trabalho remunerado. Além disso, a luta pela paridade salarial ainda é uma reivindicação, já que por mais que elas tenham ocupado o mercado formal de trabalho, ainda há muito preconceito e estigmatização que precisam ser vencidos. De acordo com o IBGE, os homens recebem em média 20,5% a mais que as mulheres ocupando a mesma posição no trabalho.

Ainda no século XXI é comum escutar pessoas dizendo que o “lugar da mulher” é em casa, com os filhos. E é justamente por culturalmente o trabalho doméstico ser destinado às mulheres que faz delas as mais impactadas pela falta de saneamento básico. Os serviços domésticos exigem água, seja para limpeza, seja para a cozinha; além de que a gestão dos resíduos também é uma das tarefas dos cuidados com a casa.

Mas como a falta desses serviços básicos pode ser uma violência de gênero? Siga a leitura que te explicamos.

 

Violência de gênero na falta de saneamento

A violência de gênero está pautada em uma relação de poder entre homens e mulheres. Nessa relação, os homens se vêm no direito de assediar mulheres, chamando-as de “gostosa” ou assobiando quando elas passam; ou percebê-las como propriedade, no caso de maridos, pais ou irmãos.

O machismo e a misoginia são estruturais da sociedade ocidental (da qual fazemos parte) e por isso, por mais que alguns homens não assediem mulheres, vários comportamentos machistas e misóginos são naturalizados na nossa sociedade. Por trás dessa violência então os mais de 180 estupros por dia registrados em 2018 e o Brasil ser o 5º país com mais mortes violentas de mulheres no mundo, alarmantes 1.310 assassinatos em 2019 por questão de gênero, a maioria por companheiros ou ex companheiros das vítimas.

No ano de 2019, vários protestos foram deflagrados em toda América Latina em quase todos eles as reivindicações das mulheres se fizeram presentes. O mais notável deles foi a performances “El violador eres tu”, do Coletivo Las Tesis do Chile, que ganhou o mundo denunciando o machismo do Estado opressor. Interessante notar, que as pautas do saneamento também estavam presentes nessas manifestações, uma vez que a falta desse serviço básico deixa as mulheres mais vulneráveis, além de precarizar a vida de milhões de pessoas.

Nos locais onde não há saneamento básico, mulheres são mais diagnosticadas com problemas de coluna, por ser papel delas a busca de água em locais distantes; são mais diagnosticadas com infecções urinárias, por terem maior dificuldade de se higienizar e/ou serem forçadas a conter urina; entre outros problemas. O fato da maior parte dos banheiros serem projetados por homens também faz com que várias necessidades femininas sejam desconsideradas. Os banheiros químicos, por exemplo, não atendem todas as necessidades femininas e são fonte de várias reclamações pelas usuárias.

Na peça de teatro O corpo da mulher como campo de batalha, Matei Vișniec fala da Guerra da Bósnia e reflete o quanto que as violências e violações que acontecem no território também acontecem no corpo das mulheres. Imagine uma menina que precisa de compartilhar o banheiro com homens adultos, ou que precisa fazer suas necessidades ao ar livre e assim como suas necessidades, também precisa tomar banho e se limpar após a menstruação. Qual a garantia que podemos dar a essa garota que ela não será assediada?

falta de saneamento é uma violência de gêneroPor isto o objetivo 5, IGUALDADE DE GÊNERO, integra os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, junto a ele a universalização do saneamento. Se naturalizamos os assobios, aceitamos homens tratar mulheres de forma desrespeitosa, misógina e machista, talvez também estejamos sendo coniventes com os milhares de casos de violência contra mulheres e meninas no Brasil e no mundo. Somos nós que não reivindicamos melhores condições de vida para as mais de 14 milhões de pessoas que não possuem acesso a banheiros na América Latina. Somos nós que fechamos os olhos para a diminuição da cobertura de água e esgoto.

Na próxima segunda feira, às 18h, no nosso IGTV e no Facebook a Barbarah Silva vai dividir conosco sobre sua Dissertação de Mestrado, em que ela estudou as relações de gênero e saneamento. Siga nossas redes sociais e fique por dentro!