O Saneamento Rural é um tema pouco explorado, mas muito importante para o Brasil. É certo que a maior parte da população brasileira se encontra em centros urbanos como apontam as últimas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Porém, a população rural é a mais excluída dos serviços de saneamento.

Em relação ao componente esgotamento sanitário, de acordo com dados de 2018 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), cerca de 53,2% do esgoto gerado é coletado, considerando áreas rurais e urbanas, e 46,3% recebe tratamento adequado. Esses dados evidenciam a necessidade de maiores investimentos, mais planejamento e capacitação no setor de saneamento. 

Já falamos no blog sobre o saneamento em comunidades indígenas, que também podem ser consideradas comunidades rurais (porém com algumas especificidades maiores). A desigualdade do acesso aos serviços de saneamento é pauta constante de discussões por aqui. Para alcançarmos a universalização desses serviços precisamos perceber os gargalos que existem no setor.

Por isso, o tema do blog de hoje é o Saneamento Rural e as tecnologias de saneamento, especificamente em relação ao componente esgotamento sanitário, que podem ser utilizadas nessas áreas. Continue a leitura e aprenda mais sobre esse tema.

Déficit de esgotamento sanitário em áreas rurais

Antes de começar, trazemos aqui alguns números que nos preocupam, porém que também são importantes para nos ajudar a pensar na atual situação da população rural brasileira. falta de saneamento em áreas ruais

De acordo com a análise realizada pelo Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR), apenas 20,6% da população rural do Brasil possui atendimento adequado em relação ao componente esgotamento sanitário em seus domicílios. Isso corresponde a 79,4% da população com déficit de atendimento, sendo 54,1% com atendimento precário e 25,3% sem nenhum tipo de atendimento.

Mas como podemos dizer que o atendimento é adequado ou não? Vamos explicar isso a seguir. Siga a leitura e entenda.

Atendimento adequado em relação ao esgotamento sanitário

Para avaliação do atendimento por serviços de saneamento nas áreas rurais do Brasil, o PNSR distribuiu a população rural entre domicílios com soluções adequadas, soluções precárias ou sem soluções de saneamento. 

Em relação ao componente esgotamento sanitário, por atendimento adequado, entende-se a parcela da população que possui coleta domiciliar de esgoto, seguida de tratamento; tanque séptico; ou fossa seca, nos casos de indisponibilidade hídrica. 

Já o atendimento precário consiste em domicílios que possuem a coleta de esgoto, porém sem tratamento a seguir; e aqueles que adotam fossas rudimentares como solução para a disposição do esgoto gerado. Todas as situações não enquadradas nas definições de atendimento (adequado ou precário) e que se constituem em práticas consideradas inadequadas (ausência de banheiro ou sanitário; lançamento direto de esgoto em valas, rio, lago, mar ou outra forma, pela unidade domiciliar;) são caracterizadas como sem atendimento.

Em relação à parcela da população com atendimento adequado aos serviços de esgotamento sanitário, são divididas as soluções adotadas entre individuais e coletivas. As soluções coletivas são mais encontradas em aglomerações com maior economia de escala e mais adensadas, como vilarejos e comunidades.

Por outro lado, em aglomerados com menor densidade demográfica, ou seja, com domicílios mais dispersos, prevalece a adoção de soluções individuais. Uma das características mais importantes que difere a solução coletiva da individual, consiste na presença de rede coletora para o transporte do esgoto gerado até o seu local de tratamento, seja por rede convencional ou por sistema condominial, em se tratando do que chamamos solução coletiva.

Estamos falando aqui de áreas rurais, mas esse também é um conceito que precisa ser explicado. Por mais que você ache que já sabe qual é a diferença entre rural e urbano, precisamos deixar claro qual é o critério de diferenciação. Será que você sabe mesmo distinguir entre as duas áreas? Continue a leitura e perceba.

Rural ou urbana: como fazer essa diferenciação?

Quando pensamos nessa diferenciação logo vem a nossa cabeça duas figuras opostas. Um grande centro, cheio de prédios, ruas e avenidas, seriam as áreas urbanas. Já as áreas rurais são aqueles locais com plantações, campos, fazendas.

Não que essa diferenciação esteja errada, mas quase todo município possui áreas rurais e áreas urbanas, e não podemos basear na subjetividade dos gestores para fazer as políticas públicas.  O estudo realizado pelo PNSR assumiu a densidade demográfica como ponto chave para essa diferenciação. 

cisterna em saneamento rural

Assim, as áreas rurais são menos adensadas do que as urbanas. O valor utilizado como referência é uma densidade de até 605 hab/km2 para áreas rurais. 

Porém, quando se trata de uma área em análise muito extensa, a eficácia dessa classificação é tensionada. Foi utilizado, então os setores censitários como unidades geográficas de referência. Esse assunto foi melhor abordado no estudo do PNSR que pode ser acessado aqui.

Além da densidade demográfica, um aspecto importante a ser analisado consiste nas características da vizinhança, ou seja, a contiguidade espacial. Nesse aspecto os setores rurais não apenas devem apresentar densidade demográfica reduzida, como também possuir, como setores vizinhos, pelo menos outro setor rural. Essa redistribuição de setores censitários resultou em uma nova configuração para a distribuição da população brasileira em áreas urbanas e rurais, adotada como referência para o PNSR. Agora chegou a vez de discutirmos sobre as melhores tecnologias para cada área. Continue a leitura e entenda.

Tecnologia mais adequada para cada área

E qual a tecnologia mais indicada para determinada região? As zonas rurais que compõem o país apresentam grande variedade e especificidades entre elas, que podem resultar em necessidades e possibilidades diferentes, em relação aos serviços de saneamento mais adequados para cada situação. Pensando nisso, o PNSR buscou desenvolver uma matriz tecnológica, capaz de atender diferentes contextos, apoiada na integração de três eixos: tecnologia; gestão dos serviços e a educação e participação social. 

Para a elaboração da matriz tecnológica do componente esgotamento sanitário foram considerados os seguintes aspectos: disponibilidade hídrica, ou seja, existência de água canalizada no domicílio; e a profundidade do lençol freático, em solos que eventualmente receberão esgoto. De modo geral, as proposições incluem tecnologia
com e sem veiculação hídrica dos excretas (provenientes da descarga de vasos sanitários) e consideram a possibilidade do aproveitamento de compostos orgânicos produzidos.

No caso de soluções coletivas, como o esgoto deve ser transportado para o local de tratamento, é necessário que, obrigatoriamente, haja disponibilidade hídrica. Para as soluções coletivas, foram considerados sistemas compostos por: tanque séptico, reator anaeróbio compartimentado, reator UASB, wetlands, lagoas de estabilização, sistemas de disposição controlada no solo (fertirrigação, infiltração rápida e rampa de escoamento), filtro de areia, filtro anaeróbio e filtro biológico percolador.

Nas soluções individuais estão incluídas alternativas tecnológicas sem veiculação hídrica dos excretas, bem como, no caso de haver veiculação hídrica, a possibilidade de separação das águas provenientes de vasos sanitários e das águas de pias, tanques e chuveiros. Foram consideradas como soluções individuais: fossa seca, círculo de bananeira, wetlands, tanque séptico, fossa absorvente, tanque de evapotranspiração, fertirrigação superficial, vala de infiltração, sumidouro, filtro anaeróbio e filtro de areia.

saneamento rural com bananeiras

O que é fundamental para uma tecnologia ser apropriada nas áreas rurais é partir da experiência local, do engajamento das pessoas no planejamento, ação, operação, manutenção e gestão, claro com a devida remuneração, ainda que seja através da adequação das tarifas.

Referências

Brasil 2019, Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Programa Nacional de Saneamento Rural / Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde. – Brasília, Funasa, 260 p.

SNIS. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento 2018. Diagnóstico dos Serviços de água e Esgoto, 186 p.

UN-WATER 2015, Wastewater Manegement – A UN-WATER Analytical Brief. Report of The United Nations inter-agency mechanism on all freshwater related issues, including sanitation.

 

 

Texto por Ayana Lemos Emrich, mestranda em Saneamento e Recursos Hídricos pela UFMG e integrante do INCT ETEs Sustentáveis