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As estações de tratamento de esgoto (ETEs) recebem, geralmente, um efluente composto por água (99,9%), sólidos, matéria orgânica, nutrientes e microrganismos. Embora recebam também muitos detritos e efluentes industriais com características em desacordo com o permitido para lançamento em redes públicas de esgoto, o que não deveria ocorrer, pois interferem na operação e eficiência das ETEs.
A grande maioria dos microrganismos que estão presentes no esgoto é proveniente da microbiota do intestino humano, incluindo patógenos. Entendendo por patógeno, aquele agente biológico que causa doença. Hoje no nosso blog iremos falar sobre esses microrganismos e como podem ser removidos no tratamento de esgoto. Continue a leitura e aprenda.
Microrganismos patogênicos no esgoto
O esgoto doméstico é considerado uma das principais fontes para transmissão de patógenos, pois contém diferentes microrganismos, a maioria de origem da microbiota humana. Os principais patógenos presentes no esgoto possuem tamanhos bastante distintos. Os maiores deles são os ovos de helmintos (um tipo de verme) e os protozoários. Os ovos de helmintos possuem tamanho entre 30 e 160 μm (lê-se trinta e cento e sessenta micrômetros). Já os protozoários podem variar de 2 a 1000 μm.
Um micrômetro equivale a um milionésimo do metro e a milésima parte do milímetro. A conta que se faz é de 1×10-6m. Acima de 100 μm é possível enxergá-los a olho nu, o que se aproxima da espessura de um fio de cabelo.
Os helmintos são os causadores de doenças parasitárias como a lombriga e a esquistossomose que vitimou mais de 5000 brasileiros entre 2007 e 2017. Já os protozoários podem causar a amebíase ou giardíase, por exemplo.
Em seguida, na ordem decrescente de tamanho, vêm as bactérias. Essas têm o tamanho por volta de 1 μm, ou seja, cerca de 100 vezes menores que a espessura de um fio de cabelo. As bactérias que são patogênicas podem causar doenças como a cólera, gastroenterite e a febre tifoide.
Por fim, os menores microrganismos que potencialmente podem causar doenças são os vírus, com tamanho em torno de 0,1 μm. Alguns exemplos de doenças causadas por eles são: hepatite, leptospirose e gastroenterite (a diarreia é a segunda causa principal de morte em crianças menores de 5 anos).
Agora que você já sabe quais microrganismos presentes no esgoto podem nos causar doenças, iremos falar como impedi-los afetar nossa saúde. Siga a leitura e entenda.
Inativar ou eliminar patógenos: qual a diferença?
Antes de continuar o texto é importante fazer uma distinção conceitual. Isso porque usaremos os termos “inativar” e “eliminar” patógenos durante o texto. Os termos, entretanto, não são equivalentes.
Quando dizemos inativar, estamos dizendo que o microrganismo sofreu alterações estruturais, por causa da variação de temperatura, por exemplo. Assim, ainda que ele não cause mais a doença por não estar ativo, pode ainda ser encontrado.
Poderíamos dizer que o organismo está morto, porém não há um consenso científico que todos os organismos que citamos anteriormente são seres vivos. A polêmica está mais com os vírus que são organismos acelulares que possuem somente material genético protegido por uma camada de proteína (capsídeo), não tem metabolismo próprio, portanto precisam do hospedeiro (como por exemplo células humanas) para se multiplicar.
Já a eliminação é um processo de remoção desses microrganismos. Isso pode se dar por meio de uma filtragem, por exemplo. Dessa forma, não será possível encontrar mais esse organismo no efluente.
Conceitos explicados, agora vamos ao que interessa: a remoção dos patógenos. Siga a leitura que te contamos como é feito esse processo no tratamento de esgoto.
Remoção de organismos causadores de doença do esgoto
Existem diversas formas de inativar ou eliminar os agentes patogênicos. Temperatura elevada, pH muito baixo ou muito elevado, filtração, exposição a raios UV (ultra violeta), desinfecção por cloro ou ozônio, entre outras.
É importante, ressaltar, entretanto, que nem todas essas formas podem ser eficientes com todos os tipos de patógenos. O cloro, por exemplo, embora seja eficiente para eliminar bactérias, não é eficiente contra cistos de protozoários ou ovos de helmintos. Além disso, a presença de muitos sólidos suspensos pode servir de escudo para as bactérias e vírus contra a desinfecção.
A maioria das ETEs no Brasil contemplam até o tratamento secundário, cujo princípio é a remoção de matéria orgânica, sólidos e as vezes nutrientes. A remoção de patógenos pode ocorrer nestes sistemas, porém os objetivos dos tratamentos primário e secundário não objetivam essa remoção, como consequência os organismos patogênicos não são removidos eficientemente. Quando se deseja remover estes organismos, torna-se necessária uma etapa de desinfecção, que pode ser conseguida com o emprego de lagoas de maturação ou por meio de métodos físicos ou químicos (ex. radiação UV, cloração).
No Brasil, a forma mais utilizada de pós tratamento para remover os agentes patogênicos é a partir das lagoas de maturação. Por serem rasas (1,0 m ou menos de profundidade), os raios de sol (UV) conseguem atingir a maior parte dos microrganismos presentes no efluente, especialmente os menos densos, mais próximos a superfície, normalmente bactérias, vírus e alguns protozoários. As lagoas também apresentam elevadas áreas (consequentemente têm elevado tempo de detenção hidráulica), de forma a propiciar que haja a sedimentação de microrganismos mais densos que a água, como os ovos de helmintos e cistos de protozoários. Desta forma, pode-se dizer que os principais mecanismos de remoção de patógenos em lagoas pode ocorrer por adsorção a sólidos e sua posterior sedimentação; por predação pelos organismos de níveis tróficos mais altos e pela inativação mediada pela radiação UV presente na luz solar. A redução de vírus por estes sistemas naturais é em torno de 1 log10, já para bactérias é em torno de 2 log10.
Mas não é só na fase líquida que deve haver preocupação na eliminação de patógenos. O lodo (ou biosólido), quando se trata de esgoto doméstico, pode ser utilizado como fertilizante para agricultura, mas, para isso, precisa sofrer um processo de higienização, que normalmente é feito por caleação (aplicação de cal) ou por aquecimento térmico.
Mas e o coronavírus? Bem, o assunto é um pouco mais delicado. Continue a leitura e entenda.
Coronavírus no esgoto
Já publicamos aqui uma Nota Técnica que informava que pesquisadores da Holanda detectaram a presença do novo coronavírus em amostras de esgoto do aeroporto de Schiphol em Amsterdã e das ETEs de Kaatsheuvel e Tilburg. A nota também mencionava um estudo publicado na revista científica Lancet Gastroenterol Hepatol (vol. 5 abril/2020), que constatou a presença do RNA viral em fezes de pessoas com COVID-19 e mesmo nas fezes de pessoas que não apresentavam mais os sintomas da doença. Também informamos que estamos realizando uma pesquisa na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a fim de fazer o mapeamento da ocorrência do vírus no esgoto.
Entretanto, muitas dúvidas surgiram a partir da divulgação dessa Nota Técnica. A principal delas é se é possível a transmissão fecal-oral do novo coronavírus, o que não foi confirmado em nenhuma das pesquisas citadas.
Como dissemos, a presença do RNA viral no esgoto não é indicativo de que o vírus esteja viável (vivo) e infeccioso, e, portanto, que ele possa contaminar as pessoas. Isso porque ele pode estar inativo, não viável, ou seja, ter a sua estrutura alterada, e, portanto, incapaz de infectar a célula hospedeira e causar a doença, mas seu RNA ainda está presente.
Testes de viabilidade do vírus devem ser feitos nas amostras de esgoto para saber se o vírus ainda é infeccioso ou não, ou seja, se poderia ou não ser responsável pela transmissão feco-oral. Este teste deve ser feito por métodos de cultivo, em laboratório com nível de biossegurança 3 e 4, isso ainda não foi realizado até o momento. Vários grupos de pesquisa internacionais (da Holanda, EUA, Austrália, entre outros) têm a intensão de fazer isso nos próximos meses.
Outra dúvida foi com relação à eliminação desse patógeno dos efluentes tratados. Uma dúvida que ainda não temos respostas conclusivas. No diálogo online que ocorreu no início de abril, organizado pela IWA, especialistas deram uma perspectiva sobre o SARS COV 2 em água e esgoto, eles confirmaram que o vírus foi encontrado em amostras de esgoto, mas não no efluente tratado. No entanto, uma nova pesquisa na Austrália detectou o RNA viral no efluente tratado.
A Profa. Girones (Universidade de Barcelona) disse que a hidrofobicidade do envelope viral torna os coronavírus menos solúveis em água e, o que pode aumentar a tendência desses vírus a serem adsorvidos pelos sólidos. Podendo ser esse um dos mecanismos de remoção do novo coronavírus (removido na sedimentação). Girones também confirmou que o novo coronavírus é mais sensível à temperatura e aos desinfetantes. No entanto, mais estudos direcionados à presença e remoção deste novo vírus em diferentes sistemas de tratamento de esgoto devem ser feitos.
Continue nos acompanhando nas redes sociais e divulgando nossos conteúdos para conseguirmos democratizar cada vez mais os conhecimentos produzidos no Brasil e para os brasileiros. Na próxima segunda-feira, às 18, lançaremos no nosso YouTube, IGTV e no Facebook, um vídeo falando mais sobre a remoção de patógenos no esgoto. Até lá.
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